...14... filosofando part fourteen... ( 14 out of 18 )...


querido  filho  tauê...
querido  filho  peter...

pois  é...  a  vida  naquela  época...  em  ipanema...
era  uma  mistura  de  coisas...
uma  mistura  de  ambientes  diferentes...
e...  contrastantes...

meus  amigos...  eram  de  natureza  bem  diferentes...

eu  convivia  com  amigos...
cuja  formação  era  educadíssima...
e... também...  com  outros...
que...  apesar  das  famílias  pertencerem  à  classe  média...
mesmo  assim...  tinham  princípios   meio  duvidosos...
valores-de-vida  bem  diferentes  dos  meus...

mas...  tudo  bem...
no  meio  dessa  diversidade  de  influências...
fui  aprendendo  com  todos  eles...
e...  da  minha  parte...
também  contribuindo  para  o  aprendizado  deles...

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quando  cheguei  de  recife...  no  rio-de-janeiro...
em  julho  de  65...
aos  onze  anos  de  idade...

e...  ao  ficar  maravilhado  vendo...
pela  primeira  vez...
os  surfistas  descendo  nas  ondas  do  arpoador...

o...  meu  sonho  número  um...
era...  poder  também  surfar...

conforme  falei  em  emails  anteriores...
o  processo  se  deu  de  uma  forma  gradativa...

minhas  primeiras  caídas...
eram  acompanhadas  de  uma  pranchinha-de-isopor...

depois...  já  enturmado  com  o  pessoal...
da  pranchinha-de-madeira-e-pé-de-pato...
a  técnica  do  "jacaré"  passou  a  evoluir  bastante...
pois  o  problema  das  pranchinhas-de-isopor  é  que...
ao  "furar"  a  onda...
a  probabilidade  de  "perder"  a  prancha  era  enorme...

naquela  época  não  se  usava  o  estrepe...
( ninguém  havia  ainda  pensado...
  nessa  ideia  simultaneamente  simples...  e  genial...
  que  é  a  ideia  de  poder  conectar  a  prancha  com  a  pessoa...
  através  de  um  elástico...)
portanto...  quando  pegávamos  jacaré  com  as  pranchinhas-de-isopor...
as  chances  de  perder  a  prancha  eram  enormes...

já  com  o  equipamento  pranchinha-de-madeira-e-pé-de-pato...
a  coisa  mudava  de  figura...
a  pranchinha-de-madeira  não  oferecia  resistência  à  onda...
portanto  era  muito  mais  fácil  furar  a  onda  sem  perder  a  prancha...
além  disso...  o  pé-de-pato  oferecia  um  impulso  fantástico...
uma  velocidade-inicial  fundamental...
para  que  o  processo  da  entrada  na  onda...
pudesse  ser  realizado  com  sucesso...

a  fase  da  pranchinha-de-madeira...  para  mim...  foi  importante...
não  só  pelo  fato  de  o  meu  "jacaré"  ter  evoluído  muitíssimo...
mas...  também...  pelo  fato  de...  eu  ter  me  enturmado...
definitivamente...  com  a  rapaziada  lá  de  ipanema...
que...  da  mesma  forma  que  eu...
não  tinha  ainda  a  grana...
para  comprar  um  pranchão  de  fibra-de-vidro...

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mas...  vejam  vocês...
como  esse  processo  de  resgatar  fatos  da  memória...
vai  acontecendo  de  uma  forma...
que...  na  medida  em  que  vou  escrevendo...
novas  observações  que  estavam  meio  abandonadas...
lá  no  fundinho  da  memória...
acabam  emergindo  de  volta  à  superfície...

e... se  eu  não  estivesse  escrevendo  essas  estórias...
talvez...  certos  detalhes...
que  estavam  muito  lá  no  fundo  da  memória...
talvez...  não  pudessem  mais  re-aparecer...

um  desses  detalhes...
é  que...  foi  graças  ao  perédia...
( mencionado  num  email  anterior...
  o  do  ônibus...  do  colégio militar...
  que  se  gabava  com  o  rocha-pinto...
  das  aventuras...  no  sábado...  com  as  prostitutas  do  centro-da-cidade...)
foi  graças  a  ele...  que  eu  me  enturmei  com  a  turma  do  "jacaré"...
...  com  a  turma  da  pranchinha-de-madeira...

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essa  pranchinha-de-madeira...
era  um  produto  feito  com  muito  trabalho...

primeiro:...  tínhamos  que  ir  numa  lojinha  lá  em  copacabana...
comprar  a  pranchinha  de  madeira...
que  só  existia  naquela  loja  específica...

segundo:...  tínhamos  que  serrar  a  rabeta  da  prancha...
para  diminuir  o  comprimento  dela...
se  a  prancha...  originalmente  tinha...  digamos...
uns  seis  palmos  de  comprimento...
depois  de  serrada...
ela  passava  a  ter  uns  cinco  palmos  de  comprimento...

com  o  retalho...
com  o  restinho  da  madeira  da  rabeta  que  havia  sido  serrada...
aproveitávamos...  para  fazer  a  quilha...

depois  vinha  a  fase  da  pintura...
novos  designs  eram  pintados  na  prancha...
e...  assim...  a  turma  ficava...  cada  um...  com  sua  pranchinha...
super-bem-transada...  pintada  à  mão...
com  o  tamanho  reduzido...
e...  o  mais  charmoso  de  tudo...
com  uma  quilha...
que  foi  construída  e  instalada  por  nós  mesmos...

tudo  feito  à  mão...  por  nós...
num  espaçozinho  de  cimento...
que  ainda  existia...
entre  o  prédio  do  cid...  e  a  calçada...
na  rua  prudente  de  moraes...

ficamos  uma  tarde  inteira...
fabricando  duas  pranchas  novas...
a  minha...
(já  que  eu  havia  sido  recentemente  introduzido  à  turma...
  pelo  perédia...)
...  e  a  do  mário  tro-lon-lon...

o  cid...
o  zé carlos...
e...  o  joão...
já  tinham  as  suas  pranchas...
eles  estavam  só  nos  ajudando  a  fazer  as  nossas...
já  que  eles  é  que  conheciam  a  técnica  do  serrar-a-rabeta...
...da  confecção  da  quilha...
e...  da  arte  final  da  pintura...

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eu  ali...  construindo...  junto  com  eles...  a  prancha...
não  tinha  a  menor  ideia  de  como  foi  bom  para  minha  vida...
o  fato  de  eu...  sem  querer...  me  ver...
completamente  bem-enturmado...
com  a  turma  do  "jacaré"...

com  o  tempo...  cada  um  seguiu  seu  rumo...
mas  o  cid...  e  o  zé  carlos...
continuaram  meus  amigos  por  muito  tempo...

deslocando  a  estória  um  pouco  para  o  futuro...
para  a  época   em  que  eu  já  estava  com  um  pranchão...
de  fibra-de-vidro...
devo  antecipar  que...
eu..  o  cid...  e  o  zé  carlos...
estávamos  (já  nessa  época  futura...)
diariamente... (nas  férias...)
nós  três...  sempre  juntos...
na  contínua  missão  de...
termos  que...  carregar  aquela  prancha...
pesadíssima...  de  três  metros  de  comprimento...

(mas  isso  são  coisas  do  futuro...)
no  momento...  ainda  estávamos  naquela  calçadinha  de  cimento...
imprensada  entre  a  casa  do  cid...  e  a  calçada...
construindo  a  pranchinha-de-madeira...

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hoje  em  dia...
ao  escrever  essas  linhas...
percebi  que...
o  fato  de  eu  ter  me  enturmado...
com  a  turma  do  cid  e  do  zé-carlos...
...  foi  graças  ao  perédia...

se...  por  um  lado  me  sentia  meio  mal...
de  estar  conhecendo  um  cara  tão  diferente  de  mim...
capaz  de  se  divertir  com  as  prostitutas  do  centro-da-cidade...
(levando  consigo...   nosso  amigo  rocha-pinto...)
por  outro  lado...  hoje  em  dia...  ao  me  recordar...
ao  desengavetar...  lá  do  fundinho da  memória...
que  foi  graças  ao  perédia...
que  eu  acabei  me  enturmando  com  o  cid  e o  zé-carlos...

isso  mostra...  porque..  às  vezes...
o  colégio militar  não  era  uma  coisa  totalmente  100%  ruim...
se...  o  colégio  tinha  seus  defeitos...
felizmente...  ele  oferecia  também  algumas  vantagens...
uma  delas...  era  o  fato  de...
eu  ter  tido  a  oportunidade  de  conhecer  todo  o  tipo  de  gente...
através  do  perédia...
eu  fiz  amizade  com  uma  turma  de  garotos  em  ipanema...
mais  soltos...  mais  largados  na  rua...
e...  consequentemente...
mais  preparados  para  enfrentar  as  dificuldades  do  mundo...

diferentemente  do  ronaldo  e  do  vitorino...
a  turma  do  cid  e  do  zé-carlos  vivia  numa  espécie  de  mundo...
onde  a  maioria  da  população  vivia...
com  suas  estórias  de  dramas...
onde  a  dificuldade  financeira  era  maior...

depois  das  famosas  férias  com  a  turma  do  vitorino  em  teresópolis...
eu  e  o  vitorino...  raramente  nos  víamos...

isso  foi  porque  ele  tinha  o  colégio  dele...  fino...  particular...
que  não  coincidia  com  minha  trajetória  no  colégio  militar...

a  minha  nova  turma  era  o  rocha-pinto  e  o  perédia...
dentro  do ônibus...
mas...  depois  que  o  perédia  me  introduziu  à  turma  do  "jacaré"...
ele  sumiu  do  mapa...
(viajou...  ou  coisa  parecida...  perdi  de  vista...)

restaram  basicamente  o  rocha-pinto...
e  a  turma-de-praia  do  cid  e  do  zé-carlos...

mas  o  rocha-pinto...  quase  não  ia  à  praia...
o  negócio  dele  era  ficar  com  a  turminha  da  lagoa...
falando  sobre  mulheres  e  assuntos semelhantes...

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enquanto  isso...
o  mar  subia...
logo  depois  que  o  vento  sudoeste  soprava...

um  vento  que  soprava  do  leblon  pro  arpoador...
um  vento  forte...
que  deixava  toda a  praia  do  leblon  e  de  ipanema...
com  aquelas  marolas  generalizadas...  tipo  "carneirinho"...

o  cid  e  eu  olhando  o  mar...
o  cid  me  dizia...
"normalmente  quando  venta  o  sudoeste...
  chove  no  dia  seguinte..."

era  batata...
dito  e  feito...
no  dia  seguinte...  aquela  tempestade...

com  a  tempestade...  a  ressaca...
e  quando  a  ressaca  resolvia  vir...
vinha  que  vinha...

ninguém  se  atrevia  a  entrar...
nem  os  mais  experientes...

junto  com  a  ressaca...
normalmente  em  dias  meio  nublados...
as  areias  da  praia  ficavam  desertas...

mesmo  assim...
curiosos..
leigos  e  não-leigos  do  surf...
andávamos  até  o  arpoador...
para  ver  o  mar  furioso...
exibir...  com  toda  sua  exuberância...
o  seu  imenso  poder...

eram  aquelas  ondas  gigantescas  batendo  contra  o  pontão...
literalmente  "varrendo"  o  pontão...

a  população...
ficava  vendo...  abismada...
tamanha  beleza...
tamanha  manifestação  da  natureza...

era  o  dia  da  ressaca...

no  dia  seguinte...
já  com  o  vento  leste...
o  mar  dava  uma  diminuidazinha  de  leve...

agora...  sem  o  vento  sudoeste  para  atrapalhar...
o  mar  não  tinha  uma  gota  de  vento...
perto  do  horizonte...  o  oceano  era  plano...  liso  como  um  espelho...
mas...  na  praia...  as  ondas  eram  perfeitas...
ondas  de  três...  quatro  metros...
vindas  com  perfeição  lá  do  pontão...
abrindo  o  paredão  para  a  esquerda...
era  simplesmente...
...o  maior  espetáculo  da  terra...

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até  já  meus  filhos...
enquanto  isso  agente  vai  trocando  emails  sobre  outros  assuntos...
assuntos  sobre  o  dia-a-dia  de  vocês...

até  já...    ... até  a  próxima...
um  super-super  abraço...
bem  apertado...
seu  pai...
               ...luis antonio...