querido filho tauê...
querido filho peter...
pois é... a vida naquela época... em ipanema...
era uma mistura de coisas...
uma mistura de ambientes diferentes...
e... contrastantes...
meus amigos... eram de natureza bem diferentes...
eu convivia com amigos...
cuja formação era educadíssima...
e... também... com outros...
que... apesar das famílias pertencerem à classe média...
mesmo assim... tinham princípios meio duvidosos...
valores-de-vida bem diferentes dos meus...
mas... tudo bem...
no meio dessa diversidade de influências...
fui aprendendo com todos eles...
e... da minha parte...
também contribuindo para o aprendizado deles...
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quando cheguei de recife... no rio-de-janeiro...
em julho de 65...
aos onze anos de idade...
e... ao ficar maravilhado vendo...
pela primeira vez...
os surfistas descendo nas ondas do arpoador...
o... meu sonho número um...
era... poder também surfar...
conforme falei em emails anteriores...
o processo se deu de uma forma gradativa...
minhas primeiras caídas...
eram acompanhadas de uma pranchinha-de-isopor...
depois... já enturmado com o pessoal...
da pranchinha-de-madeira-e-pé-de-pato...
a técnica do "jacaré" passou a evoluir bastante...
pois o problema das pranchinhas-de-isopor é que...
ao "furar" a onda...
a probabilidade de "perder" a prancha era enorme...
naquela época não se usava o estrepe...
( ninguém havia ainda pensado...
nessa ideia simultaneamente simples... e genial...
que é a ideia de poder conectar a prancha com a pessoa...
através de um elástico...)
portanto... quando pegávamos jacaré com as pranchinhas-de-isopor...
as chances de perder a prancha eram enormes...
já com o equipamento pranchinha-de-madeira-e-pé-de-pato...
a coisa mudava de figura...
a pranchinha-de-madeira não oferecia resistência à onda...
portanto era muito mais fácil furar a onda sem perder a prancha...
além disso... o pé-de-pato oferecia um impulso fantástico...
uma velocidade-inicial fundamental...
para que o processo da entrada na onda...
pudesse ser realizado com sucesso...
a fase da pranchinha-de-madeira... para mim... foi importante...
não só pelo fato de o meu "jacaré" ter evoluído muitíssimo...
mas... também... pelo fato de... eu ter me enturmado...
definitivamente... com a rapaziada lá de ipanema...
que... da mesma forma que eu...
não tinha ainda a grana...
para comprar um pranchão de fibra-de-vidro...
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mas... vejam vocês...
como esse processo de resgatar fatos da memória...
vai acontecendo de uma forma...
que... na medida em que vou escrevendo...
novas observações que estavam meio abandonadas...
lá no fundinho da memória...
acabam emergindo de volta à superfície...
e... se eu não estivesse escrevendo essas estórias...
talvez... certos detalhes...
que estavam muito lá no fundo da memória...
talvez... não pudessem mais re-aparecer...
um desses detalhes...
é que... foi graças ao perédia...
( mencionado num email anterior...
o do ônibus... do colégio militar...
que se gabava com o rocha-pinto...
das aventuras... no sábado... com as prostitutas do centro-da-cidade...)
foi graças a ele... que eu me enturmei com a turma do "jacaré"...
... com a turma da pranchinha-de-madeira...
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essa pranchinha-de-madeira...
era um produto feito com muito trabalho...
primeiro:... tínhamos que ir numa lojinha lá em copacabana...
comprar a pranchinha de madeira...
que só existia naquela loja específica...
segundo:... tínhamos que serrar a rabeta da prancha...
para diminuir o comprimento dela...
se a prancha... originalmente tinha... digamos...
uns seis palmos de comprimento...
depois de serrada...
ela passava a ter uns cinco palmos de comprimento...
com o retalho...
com o restinho da madeira da rabeta que havia sido serrada...
aproveitávamos... para fazer a quilha...
depois vinha a fase da pintura...
novos designs eram pintados na prancha...
e... assim... a turma ficava... cada um... com sua pranchinha...
super-bem-transada... pintada à mão...
com o tamanho reduzido...
e... o mais charmoso de tudo...
com uma quilha...
que foi construída e instalada por nós mesmos...
tudo feito à mão... por nós...
num espaçozinho de cimento...
que ainda existia...
entre o prédio do cid... e a calçada...
na rua prudente de moraes...
ficamos uma tarde inteira...
fabricando duas pranchas novas...
a minha...
(já que eu havia sido recentemente introduzido à turma...
pelo perédia...)
... e a do mário tro-lon-lon...
o cid...
o zé carlos...
e... o joão...
já tinham as suas pranchas...
eles estavam só nos ajudando a fazer as nossas...
já que eles é que conheciam a técnica do serrar-a-rabeta...
...da confecção da quilha...
e... da arte final da pintura...
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eu ali... construindo... junto com eles... a prancha...
não tinha a menor ideia de como foi bom para minha vida...
o fato de eu... sem querer... me ver...
completamente bem-enturmado...
com a turma do "jacaré"...
com o tempo... cada um seguiu seu rumo...
mas o cid... e o zé carlos...
continuaram meus amigos por muito tempo...
deslocando a estória um pouco para o futuro...
para a época em que eu já estava com um pranchão...
de fibra-de-vidro...
devo antecipar que...
eu.. o cid... e o zé carlos...
estávamos (já nessa época futura...)
diariamente... (nas férias...)
nós três... sempre juntos...
na contínua missão de...
termos que... carregar aquela prancha...
pesadíssima... de três metros de comprimento...
(mas isso são coisas do futuro...)
no momento... ainda estávamos naquela calçadinha de cimento...
imprensada entre a casa do cid... e a calçada...
construindo a pranchinha-de-madeira...
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hoje em dia...
ao escrever essas linhas...
percebi que...
o fato de eu ter me enturmado...
com a turma do cid e do zé-carlos...
... foi graças ao perédia...
se... por um lado me sentia meio mal...
de estar conhecendo um cara tão diferente de mim...
capaz de se divertir com as prostitutas do centro-da-cidade...
(levando consigo... nosso amigo rocha-pinto...)
por outro lado... hoje em dia... ao me recordar...
ao desengavetar... lá do fundinho da memória...
que foi graças ao perédia...
que eu acabei me enturmando com o cid e o zé-carlos...
isso mostra... porque.. às vezes...
o colégio militar não era uma coisa totalmente 100% ruim...
se... o colégio tinha seus defeitos...
felizmente... ele oferecia também algumas vantagens...
uma delas... era o fato de...
eu ter tido a oportunidade de conhecer todo o tipo de gente...
através do perédia...
eu fiz amizade com uma turma de garotos em ipanema...
mais soltos... mais largados na rua...
e... consequentemente...
mais preparados para enfrentar as dificuldades do mundo...
diferentemente do ronaldo e do vitorino...
a turma do cid e do zé-carlos vivia numa espécie de mundo...
onde a maioria da população vivia...
com suas estórias de dramas...
onde a dificuldade financeira era maior...
depois das famosas férias com a turma do vitorino em teresópolis...
eu e o vitorino... raramente nos víamos...
isso foi porque ele tinha o colégio dele... fino... particular...
que não coincidia com minha trajetória no colégio militar...
a minha nova turma era o rocha-pinto e o perédia...
dentro do ônibus...
mas... depois que o perédia me introduziu à turma do "jacaré"...
ele sumiu do mapa...
(viajou... ou coisa parecida... perdi de vista...)
restaram basicamente o rocha-pinto...
e a turma-de-praia do cid e do zé-carlos...
mas o rocha-pinto... quase não ia à praia...
o negócio dele era ficar com a turminha da lagoa...
falando sobre mulheres e assuntos semelhantes...
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enquanto isso...
o mar subia...
logo depois que o vento sudoeste soprava...
um vento que soprava do leblon pro arpoador...
um vento forte...
que deixava toda a praia do leblon e de ipanema...
com aquelas marolas generalizadas... tipo "carneirinho"...
o cid e eu olhando o mar...
o cid me dizia...
"normalmente quando venta o sudoeste...
chove no dia seguinte..."
era batata...
dito e feito...
no dia seguinte... aquela tempestade...
com a tempestade... a ressaca...
e quando a ressaca resolvia vir...
vinha que vinha...
ninguém se atrevia a entrar...
nem os mais experientes...
junto com a ressaca...
normalmente em dias meio nublados...
as areias da praia ficavam desertas...
mesmo assim...
curiosos..
leigos e não-leigos do surf...
andávamos até o arpoador...
para ver o mar furioso...
exibir... com toda sua exuberância...
o seu imenso poder...
eram aquelas ondas gigantescas batendo contra o pontão...
literalmente "varrendo" o pontão...
a população...
ficava vendo... abismada...
tamanha beleza...
tamanha manifestação da natureza...
era o dia da ressaca...
no dia seguinte...
já com o vento leste...
o mar dava uma diminuidazinha de leve...
agora... sem o vento sudoeste para atrapalhar...
o mar não tinha uma gota de vento...
perto do horizonte... o oceano era plano... liso como um espelho...
mas... na praia... as ondas eram perfeitas...
ondas de três... quatro metros...
vindas com perfeição lá do pontão...
abrindo o paredão para a esquerda...
era simplesmente...
...o maior espetáculo da terra...
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até já meus filhos...
enquanto isso agente vai trocando emails sobre outros assuntos...
assuntos sobre o dia-a-dia de vocês...
até já... ... até a próxima...
um super-super abraço...
bem apertado...
seu pai...
...luis antonio...