...5... filosofando part five... ( 5 out of 18 )...



querido  filho  tauê...
querido  filho  peter...

estávamos  em  recife  aos  dez  anos  de  idade...
vendo  novela  com  minha  prima  mariana...
(que  na  época  tinha  18  anos  de  idade...)
e  a  irmã  de  minha  avó...  tia  lurdes...
e  a  minha  avó...  mãe  do  meu  pai...
que  estava  até  bem  de  saúde...
(ela  veio  a  falecer  dentro  de  uns  dois  ou  três  anos  depois...)

eu  estava  lá  sozinho  com  elas...
pois...  conforme  havia  dito  no  email  anterior...
eu  viajei  do  rio  para  recife  antes  dos  meus  pais  e  dos  meus  irmãos...
já  que  eu  tinha  que  fazer  a  prova  de  admissão  ao  colégio...
numa  data  anterior  a  que  meus  pais  haviam  previsto...
para  a  mudança  deles  do  rio  para  recife...

para  mim...  aquela  época...  era  interessante...
no  sentido  de  eu  me  encontrar...  pela  primeira  vez  na  minha  vida...
distante  dos  meus  irmãos  e  dos  meus  pais...

encontrava-me  com  duas  velhinhas
(minha  avó...  e  sua  irmã...  tia  lurdes...)
numa  casa  com  um  astral  super- bom...  tranquilo...
aquele  astral  bom  do  nordeste...  diferente  do  rio de janeiro...
uma  casa...  onde  tudo  funcionava  sem  stress...

não  havia  mais  aquelas  infinitas  discussões...
entre  meu  pai  e  minha  mãe...
não  havia  mais  aquela  monotonia  do  rio de janeiro...
...aqueles  ambientes  cheios  de  concreto...  de  apartamentos...
...aquela  falta  total  de  chão-de-terra...  de  árvores...

em  contraste...  ali  na  casa  da  minha  avó...
é  como  se  eu  estivesse  num  paraíso...
a  casa  se  encontrava  no  meio  de  um  terreno  enorme...
cheio  de  árvores...  e...  eu  ficava  o  dia  inteiro  sem  fazer  nada...
trepado  em  cima  das  árvores...
principalmente  em  cima  do  pé-de-jambo...

nessa  idade...  (dez  anos)...  tudo  que  uma  criança
(acostumada  a  viver  num  apartamento)  quer...
é  poder  curtir  uma  natureza...  subir  em  árvores...
andar  com  os  pés  descalços  no  chão...

e...  o  mais  interessante  é  que  não  eram  árvores  na  rua...
num  lugar  público...  onde  todo  mundo  podia  passar...
as  árvores  se  encontravam  dentro  da  casa  da  minha  avó...
uma  casa  dela...  não  era um  lugar  publico...
era  com  se  fosse  um  paraíso  particular  inserido  no  mundo...
mas...  ao  mesmo  tempo  com  uma  total  privacidade...
protegido  por  um  muro  (baixo)  que  delineava  a  fronteira...
entre  aquele  "santuário"  privado...
e  a confusão  do  mundo  lá  fora...
onde  já  existia  trânsito...  poluição...  baixo-astral   etc...
coisas  que...  hoje  em  dia...  todos  nós  já  estamos  acostumados...

e  o  terreno  era  simplesmente...  enorme...
algo  gigantesco  mesmo...
eu  curtia  cada  árvore...
como  se  fossem  seres  vivos...  ( e...  de  fato...  são...)
subia  em  seus  galhos...  conquistando  cada  região  de  seu  interior...
a  meta  era  sempre  atingir  os  galhos  mais  altos...

mas...  com  o  tempo...  aprendi...
que  cada  árvore  tinha  seu  segredo...
ela  gostava  que  eu  subisse  nela...
mas  a  subida...  tinha  seus  limites...
cada  árvore  tinha  seu  ponto  ideal  de  subida...
a  partir  daquele  ponto...
seus  galhos  iriam  se  afinar  cada  vez  mais...
e  a  queda  seria...  praticamente...  inevitável...

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escrevia  para  meus  amigos  do  rio de janeiro...
contava  como  era  bom  subir  em  árvores...
eles  me  respondiam...  contando  como  foi  o  gol  do  flamengo...
com  direito  a  uma  explicação  ilustrada...
com  desenhos  feitos  por  eles  mesmos...
descrevendo  em  linha  pontilhada...
a  trajetória  da  bola  para  o  gol...

ao  ler  suas  cartas...  já  dava  para  começar  a  sentir......
como  eram  diferentes  os  universos...
entre  o  que  eu  realmente  gostava...
e  o  que  o  meu  amigo  gostava...

o  mundo  para  ele  era  o  futebol...
para  mim...  pouco  me  interessava  ver...
a  trajetória  da  bola  do  gol  do  flamengo...

o  que  realmente  me  fazia  feliz...
era  poder  curtir  a  harmonia...
eu  dentro  de  uma  árvore  enorme...  lá  em  cima...
sentindo  o  vento  balançar  seus  galhos...
curtindo  uma  felicidade  que  eu  jamais  havia  curtido  em  minha  vida...
a  felicidade  de  brincar  num  quintal  daqueles...
com  os  pés  descalços...
na  paz  da  casa  da  minha  avó...

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a  noite...  depois  daquela  sopinha  de  feijão  com  tiras  de  macarrão...
e  com  aquele  gostinho  de  coentro... (um  tempero  típico  do  nordeste...)
a  televisão  com  minha  prima...  minha  avó  e  sua  irmã...  tia  lurdes...

tia  lurdes  tinha  quebrado  o  tornozelo...
foi  no  ponto-de-ônibus...
o  ônibus  arrancou...  imprensando  seu  tornozelo...
entre  a  roda-do-ônibus  e  o  meio-fio...
ela  passava  o  dia  sentada...
na  frente  da  televisão...
com  a  perna  engessada...

às  vezes  chorava...
um  dia  quando  estava  chorando...
minha  prima  mariana  chegou  perto  dela...
e  lhe  abraçou..  lhe  abraçou  com  carinho...
lhe  confortando...

essa  cena  ficou  na  minha  memória...
achei  muito  bonita  a  cena  de  uma  pessoa  confortando  a  outra...
em  seu  sofrimento...
eu  não  estava  acostumado  a  ver  cenas  desse  tipo...
meus  pais  não  tinham  o  hábito  de  se  abraçar...
meus  irmãos  também...  não...
portanto...
essa  cena  foi  como  se  fosse  uma  espécie  de  novidade  para  mim...

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eu  tinha  dez  anos  de  idade...
minha  prima...  dezoito...
um  dia  ela  me  chamou  para  sair  com  ela...
e  com  o  namorado  dela...  o  eric...
que  tinha  o  hábito  de  sair  com  ela...
num  certo  dia  de  semana...  à  noite...

ele  foi  nos  apanhar  em  casa...  com  seu  fusquinha  nota-dez...
brilhando...
ele  também  todo  limpinho  de  banho-tomado...
a  barba  super-bem-feita...  com  um  certo  perfume...
pronto  para  namorar...

ao  entrarmos  no  carro  dele...
ele  dirigindo...
minha  prima  no  banco  do  co-piloto...
e  eu  no  banco-de-trás...

depois  de  uns  trinta-segundos..
após  estarmos  todos  acomodados  em  nossos  devidos  acentos...
e  o  carro  já  em  movimento  na  rua...
o  eric  chega  pra  minha  prima...  e  diz...
"ué ...  estou  te  estranhando..."
neste  ponto  ela  vai  e  dá  maior  beijo  nele  tipo  "chupão..."

eu...  que  não  estava  acostumado  a  ver  tais  cenas...
para  mim...
foi  como  se  fosse  uma  espécie  de  "choque"...  no  bom-sentido...
fiquei  imaginando  que  ela  não  tinha  ido  logo  beijá-lo...
(como  de  costume...)
por  causa  da  minha  presença...
mas...  depois  que  ele  deu  o  toque...("estou  te  estranhando...")
ela  perdeu  a  inibição...
e  agiu  normalmente...  como  de  hábito...

imediatamente  percebi...  como  deve  ser  gostoso  namorar...

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dias  depois...  minha  família...  meus  pais...  meus  irmãos...
chegam  do  rio de janeiro...
vida  nova...
minha  velha  família...
no  paraíso-novo  da  casa-de-minha-avó...

cheia  de  árvores...

mas  minha  família...  não  estava  muito  interessada  em  árvores...
a  obsessão  do  meu  pai...
era  a  de  poder  transformar  minha  irmã  ana emilia...
numa  nova  recordista-mundial  de  natação...

ficamos  por  aqui...?
ficamos  por  aqui...

aquele  abraço  em  vocês  dois...
com  muito  carinho...
seu  pai...
               ...luis antonio...