querido filho tauê...
querido filho peter...
estávamos em recife aos dez anos de idade...
vendo novela com minha prima mariana...
(que na época tinha 18 anos de idade...)
e a irmã de minha avó... tia lurdes...
e a minha avó... mãe do meu pai...
que estava até bem de saúde...
(ela veio a falecer dentro de uns dois ou três anos depois...)
eu estava lá sozinho com elas...
pois... conforme havia dito no email anterior...
eu viajei do rio para recife antes dos meus pais e dos meus irmãos...
já que eu tinha que fazer a prova de admissão ao colégio...
numa data anterior a que meus pais haviam previsto...
para a mudança deles do rio para recife...
para mim... aquela época... era interessante...
no sentido de eu me encontrar... pela primeira vez na minha vida...
distante dos meus irmãos e dos meus pais...
encontrava-me com duas velhinhas
(minha avó... e sua irmã... tia lurdes...)
numa casa com um astral super- bom... tranquilo...
aquele astral bom do nordeste... diferente do rio de janeiro...
uma casa... onde tudo funcionava sem stress...
não havia mais aquelas infinitas discussões...
entre meu pai e minha mãe...
não havia mais aquela monotonia do rio de janeiro...
...aqueles ambientes cheios de concreto... de apartamentos...
...aquela falta total de chão-de-terra... de árvores...
em contraste... ali na casa da minha avó...
é como se eu estivesse num paraíso...
a casa se encontrava no meio de um terreno enorme...
cheio de árvores... e... eu ficava o dia inteiro sem fazer nada...
trepado em cima das árvores...
principalmente em cima do pé-de-jambo...
nessa idade... (dez anos)... tudo que uma criança
(acostumada a viver num apartamento) quer...
é poder curtir uma natureza... subir em árvores...
andar com os pés descalços no chão...
e... o mais interessante é que não eram árvores na rua...
num lugar público... onde todo mundo podia passar...
as árvores se encontravam dentro da casa da minha avó...
uma casa dela... não era um lugar publico...
era com se fosse um paraíso particular inserido no mundo...
mas... ao mesmo tempo com uma total privacidade...
protegido por um muro (baixo) que delineava a fronteira...
entre aquele "santuário" privado...
e a confusão do mundo lá fora...
onde já existia trânsito... poluição... baixo-astral etc...
coisas que... hoje em dia... todos nós já estamos acostumados...
e o terreno era simplesmente... enorme...
algo gigantesco mesmo...
eu curtia cada árvore...
como se fossem seres vivos... ( e... de fato... são...)
subia em seus galhos... conquistando cada região de seu interior...
a meta era sempre atingir os galhos mais altos...
mas... com o tempo... aprendi...
que cada árvore tinha seu segredo...
ela gostava que eu subisse nela...
mas a subida... tinha seus limites...
cada árvore tinha seu ponto ideal de subida...
a partir daquele ponto...
seus galhos iriam se afinar cada vez mais...
e a queda seria... praticamente... inevitável...
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escrevia para meus amigos do rio de janeiro...
contava como era bom subir em árvores...
eles me respondiam... contando como foi o gol do flamengo...
com direito a uma explicação ilustrada...
com desenhos feitos por eles mesmos...
descrevendo em linha pontilhada...
a trajetória da bola para o gol...
ao ler suas cartas... já dava para começar a sentir......
como eram diferentes os universos...
entre o que eu realmente gostava...
e o que o meu amigo gostava...
o mundo para ele era o futebol...
para mim... pouco me interessava ver...
a trajetória da bola do gol do flamengo...
o que realmente me fazia feliz...
era poder curtir a harmonia...
eu dentro de uma árvore enorme... lá em cima...
sentindo o vento balançar seus galhos...
curtindo uma felicidade que eu jamais havia curtido em minha vida...
a felicidade de brincar num quintal daqueles...
com os pés descalços...
na paz da casa da minha avó...
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a noite... depois daquela sopinha de feijão com tiras de macarrão...
e com aquele gostinho de coentro... (um tempero típico do nordeste...)
a televisão com minha prima... minha avó e sua irmã... tia lurdes...
tia lurdes tinha quebrado o tornozelo...
foi no ponto-de-ônibus...
o ônibus arrancou... imprensando seu tornozelo...
entre a roda-do-ônibus e o meio-fio...
ela passava o dia sentada...
na frente da televisão...
com a perna engessada...
às vezes chorava...
um dia quando estava chorando...
minha prima mariana chegou perto dela...
e lhe abraçou.. lhe abraçou com carinho...
lhe confortando...
essa cena ficou na minha memória...
achei muito bonita a cena de uma pessoa confortando a outra...
em seu sofrimento...
eu não estava acostumado a ver cenas desse tipo...
meus pais não tinham o hábito de se abraçar...
meus irmãos também... não...
portanto...
essa cena foi como se fosse uma espécie de novidade para mim...
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eu tinha dez anos de idade...
minha prima... dezoito...
um dia ela me chamou para sair com ela...
e com o namorado dela... o eric...
que tinha o hábito de sair com ela...
num certo dia de semana... à noite...
ele foi nos apanhar em casa... com seu fusquinha nota-dez...
brilhando...
ele também todo limpinho de banho-tomado...
a barba super-bem-feita... com um certo perfume...
pronto para namorar...
ao entrarmos no carro dele...
ele dirigindo...
minha prima no banco do co-piloto...
e eu no banco-de-trás...
depois de uns trinta-segundos..
após estarmos todos acomodados em nossos devidos acentos...
e o carro já em movimento na rua...
o eric chega pra minha prima... e diz...
"ué ... estou te estranhando..."
neste ponto ela vai e dá maior beijo nele tipo "chupão..."
eu... que não estava acostumado a ver tais cenas...
para mim...
foi como se fosse uma espécie de "choque"... no bom-sentido...
fiquei imaginando que ela não tinha ido logo beijá-lo...
(como de costume...)
por causa da minha presença...
mas... depois que ele deu o toque...("estou te estranhando...")
ela perdeu a inibição...
e agiu normalmente... como de hábito...
imediatamente percebi... como deve ser gostoso namorar...
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dias depois... minha família... meus pais... meus irmãos...
chegam do rio de janeiro...
vida nova...
minha velha família...
no paraíso-novo da casa-de-minha-avó...
cheia de árvores...
mas minha família... não estava muito interessada em árvores...
a obsessão do meu pai...
era a de poder transformar minha irmã ana emilia...
numa nova recordista-mundial de natação...
ficamos por aqui...?
ficamos por aqui...
aquele abraço em vocês dois...
com muito carinho...
seu pai...
...luis antonio...