...15... filosofando part fifteen... ( 15 out of 18 )...


querido  filho  tauê...
querido  filho  peter...

até  agora...  venho  tentando  seguir  uma  ordem  cronológica...
na  narrativa  que  conta  a  história  da  minha  vida...

mas  não  sei  se  é  necessário  seguir  uma  ordem...
rigidamente  cronológica...

ao  invés  de  contar...
tudo  o  que  aconteceu  quando  eu  tinha  11  anos  de  idade...
depois...  com  12...
depois  com  13...  etc...  etc...

talvez...  fosse  mais  interessante...
tentar  dar  umas  puladas...
que  não  tivessem  que  seguir...
necessariamente...
a  ordem  cronológica  dos  fatos...

de repente  poderíamos  adotar  uma  narrativa...
onde  dos  12  anos  de  idade...
pulássemos  para  os  18...
depois  para  os  24...
depois...  de  volta  para  os  16...

desta  forma...
nos  libertaríamos  da  obrigatoriedade  de  ter  que  seguir...
... à  risca... um  esquema  rígido  para  a  narrativa  dos  eventos...
não  precisaríamos  seguir  a  mesma  ordem  em  que  tais  eventos...
teriam  acontecido  na  vida  real...

a  vantagem  dessa  "libertação"  da  ordem...
é  que...
se...  por  acaso...  na  vida  real...
uma  sequência  de  três  anos...
foi...  numa  fase  meio...  monótona...
então...  naturalmente...
a  narrativa  se  tornaria  igualmente  monótona...

e...  variando  no  tempo...
tornaria  a  narrativa  mais  variada...
e...  portanto...  menos  monótona...

---   ---   ---

mas...  quanto  a  certos  "saltos"  no  tempo...
não  devemos  nos  preocupar  com  certos  fatos  interessantes...
que  possam  ter  sido  omitidos...
pois...  se...  na  narrativa  relativa  aos  24  anos...
houver  a  necessidade  de  voltar  aos  16...
podemos...  tranquilamente...  fazer  um  trabalho  tipo  sanfona...
podemos  ir...  e  vir...
podemos  avançar  no  tempo...
e  recuar...

com  isso...  nos  libertamos  da  camisa-de-força...
de  uma  narrativa  linear...
de  uma  narrativa  cronológica...

---   ---   ---

então  vamos  inaugurar  nossa  nova  liberdade...?
vamos  lá...

(dessa  vez...  o  pulo  vai  ser  pequenino...
vou  dar  um  pulinho  apenas  dos  12  para  os  14  anos  de  idade...)

então  vamos  lá...
quatorze  anos  de  idade...

nessa  idade...
adeus  ipanema...
já  havíamos  nos  mudado  de  ipanema  para  o  jardim-botânico...
perto  do  parque-lage...
entre  o  parque-lage  e  o  humaitá...
no  pé  da  montanha  que  vai  dar  no  cristo...
no  corcovado...

é  como  se  morássemos  debaixo  do  braço  direito  do  cristo...
numa  ruazinha  chamada  " j. carlos "...
falávamos  "moro  na  rua  "jota-carlos"..."

jota-carlos  era  um  desenhista...  caricaturista...  jornalista...
da  década  dos  1940...  ou  50  ou  60...
por  aí...  não  sei  direito...
e...  como  ele  assinava  suas  caricaturas  nos  jornais...
abreviando  o  primeiro  nome...
a  rua...  ao  homenageá-lo...
adotou  seu  nome  " j. carlos "...
para  ficar  de  acordo  com  o  nome  em  que  ele  era  conhecido...

mas...  todo  esse  bla-bla-blá  em  torno  do  jota-carlos...
não  tem  a  menor  importância...
mencionei...  em  detalhes...  a  origem  do  nome  da  rua...
pois...  quando  eu...  minha  mãe...  minhas  irmãs...  e  o  tuípe...
hoje  em  dia...  quando  estamos  re-memorando  fatos  daquela  época...
nos  referimos  à  época  da  jota-carlos...
que  durou...  no  meu  caso...
dos  14  aos  22  anos-de-idade...

---   ---   ---

quatorze  anos  de  idade...
recém-chegados  à  rua  jota-carlos...

minha  mãe...  felicíssima...
mostrava  o  casarão  enorme  que  tinha  comprado...

ela  e  meu  pai...  venderam  o  apartamento  de  ipanema...
e...  compraram  essa  casa  de  dois  andares...
mas...  se  incluir  o  espaço  do  telhado...
que  ainda  tinha  uma  área  de  cobertura...
e  um  cubículo  que  o  tuípe  adotou  como  seu  quarto...
se  considerarmos  esse  terceiro  estágio...
a  casa  poderia  ser  classificada  como  de  três  andares...

e...  como  o  andar-térreo  da  casa  já  ficava  a  uns  dois  metros...
acima  do  nível  da  calçada-da-rua...
e...  a  garagem  no  nível  da  rua...
e...  como  a  garagem  já  era  uma  espécie  de  mini- estúdio...
a  casa...  com  esse  novo  "approach"  já  poderia  ser  dita...
que  era  uma  casa  de  quatro-andares...

mas...  é  claro...  o  nível  da  garagem...
e  o  nível  da  cobertura...  eram  níveis  secundários...
não  se  poderia  comparar...
com  os  dois  super- níveis  da  casa  principal...

essa  era  a  casa  da  "jota-carlos"...

---   ---   ---

minha  mãe...  orgulhosa...  transbordando  de  felicidade...
ao  mostrar  a  nova  casa  para  um  casal  de  amigos  deles...
contava  para  eles...
o  que  um  outro  casal  de  amigos  havia  comentado...
 "...  léa...
   voce  ainda  pensou  duas  vezes  antes  de  fechar  o  negócio...?
    ...  que  maravilha...  que  espetáculo  de  casa..."...

realmente...  uma  coisa  era  certa...
uma  coisa  a  casa  tinha  a  oferecer...
muito  conforto...
era  espaçosa...
era  grande...
tinha  muitos  quartos...
ao  ponto  de  cada  filho  ter  um  quarto...
e...  ainda  sobrava  um  mini-quarto  para  minha  avó...
vovó  zenaide...
mãe  da  minha  mãe...

minha  avó...  passava  o  dia  no  quartinho  dela...
vendo  televisão...

eu...  na  época  da  jota-carlos...
já  havia...( graças  a  Deus...)
já  havia  me  libertado  daquele  colégio  torturante...
o  colégio  militar...

meus  pais  tiveram  o  bom-senso  de  me  tirarem  de  lá...
e  de  me  matricularem  no  andrews...
um  colégio  da  alta-sociedade  do  rio...
onde...  por  coincidência...
imaginem  quem...?

isso  mesmo...  onde  o  vitorino  estudava  lá...

---   ---   ---

saio  de  um  colégio  rude...  grosseiro...
onde  não  havia  nada  de  fino...  de  delicado...
e...  de repente...
me  vejo  dentro  de  um  colégio  de  burgueses...
onde  a  fina  nata  do  rio  frequentava...

e...  essa  mudança...  no  início...  fundiu  um  pouco  minha  cuca...

mas...  tudo  bem...
viva  o  andrews...
fora  com  o  colégio  militar...

mas...  não  quero  também  "cuspir-no-prato-que-comi"...
o  colégio  militar  me  trouxe...  também...  coisas  boas...
o  ensino  era  bom...
aprendi  uma  matemática  de  alto  nível...

além  disso...  conforme  foi  observado  em  emails  anteriores...
o  colégio  militar  me  proporcionou  a  oportunidade  de  conhecer...
vários  tipos  de  pessoas...
pessoas  bem-educadas...
e  pessoas  com  um  outro  tipo  de  educação...
que  não  era  dos  mais  finos...  não...

e...  isso  é  bom...
acho  que  para  que  possamos  sobreviver  nesse  mundo...
é  bom  poder  ter  tido  a  oportunidade  de  ter  conhecido...
o  "leque"  diversificado  dos  vários  tipos  de  pessoas...
que  existem  no  mundo...

com  a  experiência...  com  o  decorrer  dos  anos...
e...  com  a  oportunidade  de  ter  convivido...
com  vários  tipos  de  pessoas...
isso  deve  ajudar  à  nossa  percepção  de  quem  é  quem...

ao  ter  tido  a  oportunidade  de  ter  convivido  com  a  malandragem...
isso  nos  ajuda  a  poder  visualizar  quem  é  quem...

isso  nos  ajuda  a  poder  identificar  o  malandro...
a  identificar  a  pessoa  não-tão-bem-intencionada  assim...
pois  a  malandragem  já  não  seria  algo  novo  para  nós...
pois...  já  teríamos  a  oportunidade  de  vê-los  de  perto...
de  conviver  com  eles...
de  saber  como  eles  pensam...
como  eles  agem...

e...  de  finalmente...
poder  comparar  a  visão-de-mundo  deles  com  a  nossa...
e...   poder  ter  elementos  para  decidir...
qual  é  o  melhor  caminho  para  nós...

---   ---   ---

mas  isso  não  significa  que  ter  convivido  apenas  com  a  malandragem...
seja...  por  si  só...  algo  bom...

é  preciso  também...  ter  convivido  com  as  pessoas  finas...
com  as  pessoas  educadas...

é  preciso  ter  tido  contato  com  todos  os  níveis...
pois...  senão...  ficamos  sem  opção...  sem  escolha...

nesse  ponto...  eu  me  considero  sortudo...
conheci  vários  tipos  de  pessoas...

os  bons...  e  os  ruins...

o  vítorino...  era  inteligente...
ele  percebia  que...  nesse  ponto...
a  educação  que  meus  pais  tentavam  me  dar  era  muito  boa...

desde  criança...  meus  pais  me  deixavam  meio  largado  na  rua...
sabiam  que  a  rua  tinha  muito  a  me  ensinar...
(que  nem  eu...  ao  deixar  vocês  meio  largados  na  vila...
 ...  na  turma  do  juninho...  do  grissa...  do  diógenes...)

o  vitorino  era  inteligente...
percebia  que...  nesse  ponto...  meu  estilo-de-vida  era....
... talvez...  mais  saudável  que  o  dele...
eu  vivia  na  rua...
encarando  altos  mares  no  arpoador...
com  meus  amigos...  "moleques"...

mais  tarde...
quando  eu  já  morava  na  jota-carlos...
quando  eu  já  havia...  (graças a Deus...)  largado  o  colégio  militar...
e...  estava  estudando  no  andrews...
eu  continuava  frequentando  a  turma  do  rocha-pinto  na  lagoa...

agora...  morando  na  jota-carlos...
e...  minha  turma  morando  na  lagoa...
já  não  dava  mais  para  ir  visitá-los  a  pé...
tinha  que  pegar  o  ônibus...

mas...  mesmo...  tendo  que  pegar  o  ônibus...
valia  a  pena...
lá...  eu  continuava...
à  vontade  com  meus  amigos  tipo  rocha-pinto  e  companhia-limitada...
me  sentia  à  vontade...
sem  ter  que  me  "enquadrar"  nas  "frescuras"  impostas  pelo  novo  estilo...
do  meu  novo  colégio-de-burguês...
o  andrews...

em  resumo...
minha  vida  foi...  basicamente...
um  eterno  esforço  de  adaptação...

adaptação  ao  "susto"  de  ter  entrado  num  colégio  super- neurótico...
tipo  colégio-militar...
adaptação  ao  novo  colégio-de-burguês...  o  andrews...
cheio  de  suas  novas  frescuras...
de  suas  novas  regrinhas-sociais...
suas  etiquetas  ditadas  pela  fina  nata  da  alta  sociedade  carioca...

mas...  esse  tipo  de  "susto"...
dessa  vez...
não  me  "assustou"  tanto...

já  tinha  passado  por  uma  experiência  semelhante...
aos  11  anos  de  idade  nas  férias  em  teresópolis...
com  a  turma  do  vitorino...

dessa  vez...
ao  entrar  no  andrews...
no  meio  do  ano...
como  sendo  um  aluno  novo...
dessa  vez...
não  me  senti  tão  mal  assim...

dessa  vez...
já  tinha  recebido  as  lições  básicas...
das  etiquetas-sociais...
na  época  de  teresópolis...

dessa  vez...
a  coisa  estava  mais  sob  controle...

mas...  mesmo  assim...
a  tensão...  natural...
decorrente  da  sensação  de  ser  um  aluno-novo...  num  ambiente-novo...
completamente  diferente  do  colégio  militar...
foi  intensa...

mas...  conforme  observei...
o  choque  dessa  vez...  foi  mais  tranquilo...
foi  mais  suave...
me  adaptei  mais  rapidamente...

---   ---   ---

até  já...
espero  emails  de  vocês...
me  contando  detalhes  de  como  estão  as  coisas  indo  por  aí...

até  já...
um  super-super-abraço...
nesse  primeiro  dia  do  ano...
um  grande  abraço...
seu  pai...
             ...luis antonio...