...18... minha avó zenaide...

querido  filho  tauê...
querido  filho  peter...

a  minha  avó  zenaide...  ( mãe  da  minha  mãe )...
acho  que  vocês...  não  devem  se  lembrar  muito  dela...  não...

pois  quando  ela  faleceu...
você...  ( peter )...  era  apenas  um  bebê...  recém-nascido...
e  você...  ( tauê )  devia  ter  uns  três  anos-de-idade...

como  a  diferença-de-idade  entre  vocês...
é  de  dois-anos-e-meio...
então  se  nessa  época...  você  ( peter )  tinha...
digamos...  6 meses  de  idade...
ou  seja...  meio-ano  de  idade...
então...  consequentemente...  você  ( tauê )  teria...
exatos  3  anos-de-idade...

( já  que...  dois-e-meio...  mais...  meio...  resulta  em...  três...)

mas...  deixando  a  matemática  de  lado...
e...  voltando  ao  "menu-principal"...  ( minha  avó...)...

...era  uma  pessoa...
que  tenho...  muito  boas  recordações...

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quando  eu  tinha...  cerca  de  13  anos-de-idade...
e...  minha  família  havia  se  mudado  de  ipanema...
para  a  casa  de  dois-andares-imensa...
no  jardim-botânico...

eu  tinha  meu  quarto...
a  clarice  tinha  o  quarto  dela...
a  ana emília   tinha  o  quarto  dela...
o  tuípe  dormia  num  quartinho-mínimo...
lá  no  terceiro-andar...
( onde...  praticamente  não  havia  nada...
   ...apenas  o  telhado-da-casa...
    ...uma  área  onde  eu  estudava...  numa  mesinha...
     ...que  coloquei  lá...
      ...para  poder  estudar  e  tomar-banho-de-sol...  simultaneamente...

...e  um  lugar  ínfimo...
onde  o  tuípe  se  instalou  lá...  para  dormir...)

( daí  eu  ter  dito...  anteriormente...
  ...que  a  casa  tinha...  apenas  dois-andares...
   ... mas  se  contarmos  com  os  níveis-extras...
     ...da  cobertura  ( telhado )
      ...e  da  garagem...
  ...neste  caso...  a  casa  acabava  tendo...
    ...ao  todo...  quatro-níveis...)...

mas  isso  tudo  não  tinha  a  menor  importância...

minha  mãe...  adorava  o  fato  de  ter  encontrado  tal  casa...
quando...  ainda  morando  em  ipanema...
meus  pais  resolveram  se  mudar...  para  um  lugar  mais  tranquilo...
( jardim botânico )...
já  que  meu  pai...  não  conseguia  dormir...
com  aquele  barulho  de  ônibus  infernal...
da  rua  prudente-de-morais...

eu...  por  ter  apenas  13  anos-de-idade...
simplesmente  me  mudei...
junto  com  a  família...

a  família  se  muda...
a  criança  de  13  anos-de-idade...  não  discute...
vai  na  onda...
vai  no  embalo....
sem  pensar  muito...
...em  nada...

...simplesmente...  acompanha...

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depois  que  nos  mudamos...
aí  sim...
percebi  a  "canoa-furada"...
em  que...  sem  querer...  fui  levado...

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nessa  época...
eu  estava  no  auge  do  surf...

estava  numa  fase  onde...
o  surf  era...  digamos...  "a  razão  do  meu  viver"...

meus  músculos  já  estavam  desenvolvidos  para  descer  nas  altas
ondas  do  arpoador...

quando  batia  o  vento  sudoeste...
o  posto-cinco...  em  copacabana...  ficava...  "perfeito"...

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antes  da  mudança...  de  ipanema  para  o  jardim-botânico...
tudo  o  que  eu  precisava  fazer...  era  colocar  a  prancha
debaixo-do-braço...
atravessar  a  prudente-de-morais...  a...  vieira-souto...
e...  pronto..  já  estava  na  praia...

agora...  depois  da  mudança...
era  uma  dificuldade  imensa...  poder  chegar  na  praia...

tinha  que  esperar  o  ônibus...
para  me  transportar  do  jardim-botânico...  para  ipanema...

tinha  que  deixar  a  prancha  na  casa  do  meu  amigo  ronaldo...
que  permitiu  que  eu  deixasse  a  prancha  na  garagem  do  prédio  dele...

a  prancha  tinha  que  ser  acorrentada  com  um  cadeado  especial...
em  volta  da  quilha...

enfim...
tinha  que  passar  por  uma  série-de-obstáculos...
que  antes  não  existiam...

mas...  o  pior  deles...
era  ter  que  pegar  o  ônibus  para  ir  pra  praia...

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hoje  em  dia...
percebo...   ao  escrever  essas  linhas...
como...  toda  essa  "infelicidade"...  que  eu  sentia...  na  época...
não  passa  de  uma  "infelicidade"  de  um  menino-mimado...

"mimado"  no  sentido  de  ter  tido  sempre  tudo...
e...  por  ter  tido...  simplesmente...
a  experiência  de  ter  se  mudado...
para  uma  casa  um  pouquinho  mais  afastada  da  praia...
num  bairro...  onde  era  necessário  "pegar-o-ônibus"...
para  ir  pra  praia...

o  fato  dessa  pequena  "perda-de-qualidade-de-vida"...
ter  me  feito  sentir...
como  o  "cara-mais-infeliz-do-mundo"...

...me  faz  refletir...
hoje-em-dia...  como  minha  personalidade...
de  certa  forma...  pouco  mudou...

mesmo  hoje...
com  57  anos  na  cara...

eu...  de  certa  forma...
continuo...  conservando...  tais  características...
de  garoto-mimado...
ao  sentir...  tão  sensivelmente...
o  contraste  da  qualidade-de-vida...
que  eu  tinha  no  hawaii...
com  a  que  encontrei  no  nosso  ( querido (?) )...
brasil...

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então...
se  pensarmos...  direitinho...
vemos  que...  no  fundo...  no  fundo...
a  vida  está...  constantemente...  nos  apresentando...
...mudanças...

e...  obviamente...  sentimos  na  pele...
suas  consequências....
( boas...  ou  más )...

talvez...  um  dos  "segredos"  da  arte-do-bom-viver...
seja...  procurarmos  ver  o  lado-bom  que  a  mudança...
poderia  nos  proporcionar...

e...  consequentemente...
sabermos  explorar...
...  e..  desenvolver...  esse  lado-bom  que...
conseguimos  enxergar...

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e...  voltando  à  minha  avó  zenaide...
ela  morava  num  quartinho...
na  tal  casa-que-minha-mãe-adorava....
e...  que  eu  sofria... ( um  pouco )...
com  a  perda  do  mar-de-ipanema...
ali...  na  esquina...

minha  vòzinha...  zenaide...

pessoa  muito  boa...
de  um  coração...  muito  bom...

ficava  horas...
tentando  desmanchar...  pacientemente...
os  nós  do  meu  cabelo...
que  chegavam  nos  ombros...

afinal....  estávamos  vivendo  na  era  dos...  beatles...
rolling stones...  jimi hendrix...  etc...

eu...  com  meus  cabelos  nos  ombros...
depois  do  banho...
só  mesmo  minha  avó...
com  aquela  paciência  infinita...
para  desembaraçá-los...

ia  destrinchando  os  nós...
e...  ao  mesmo  tempo...
conversando...

conversando...
conversas-sem-fim...
contando  estórias...

eu...  escutando  suas  estórias...
e...  simultaneamente...
sentindo  nos  cabelos...
seu  acariciar...
através  do  pente...

me  sentia  feliz...
de  ter  uma  avó...  assim...
tão  boa...
que  me  queria...  tão  bem...

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quando  ela  faleceu...
eu  já  não  morava  mais  com  ela...

morávamos  todos...
já  em  ipanema...

você  ( tauê )...
com  três  anos  de  idade...

você ( peter )...
com  apenas  meio-ano  de  idade...

eu...
estudando  no  impa...
( instituto  de  matemática  pura  e  aplicada )...

me  encontrava  numa  fase  da  minha  vida...
onde  eu  estava...  muitíssimo  satisfeito...
profissionalmente...

pois  estava  fazendo  meu  mestrado...
ganhando  um  salário  do  governo...
só  para  estudar...

e...  isso...  foi  o  que  eu  sempre  quis...
ser  pago  pelo  governo...  para  estudar...
( que  é  o  que  eu...  realmente...  gosto  de  fazer...
...  do  ponto-de-vista...  profissional...)

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muito  bem...

estava  eu...  no  impa...
concentrado  nos  meus  estudos...

quando...
a  bibliotecária...  me  chamou...
dizendo  que  tinha  um  recado  para  me  dizer:
" minha  avó...  tinha  falecido "...

fui  para  o  enterro...
no  cemitério  de  botafogo...

uma  pequena  multidão  estava  lá...

amigos  do  meu  pai...
da  minha  mãe...

parentes  da  minha  mãe...
...da  minha  avó...

parentes  de  parentes....
amigos  de  amigos...

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quando  lá  cheguei...
não  tive  a  coragem  de  vê-la...
no  caixão...

fiquei  do  lado  de  fora...

ao  encontrar  minha  mãe...
abracei  minha  mãe...
e...  caí  num  chôro...

um  chôro  compulsivo...
descontrolado...

chorava  em  voz  alta...
não  conseguia  me  controlar...

saí  de  lá...
fui  pra  casa...

ao  chegar  em  casa...
peguei  um  banquinho...
fiquei  debruçado  no  berço...
onde...  você  ( peter )...
dormia...

...um  sono  inocente...
sem  saber  o  que  estava  se  passando...  em  volta...

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de repente...
chegam  meus  pais...  para  me  visitar...

chegam...
e  me  encontram  debruçado...
sobre  o  berço...

ficaram  alguns  minutos...
..e...  foram  embora...

gostei  da  visita  deles...

raramente  eles  iam  me  visitar...

foi  boa...  a  visita  deles...

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me  despeço...
com  carinho...

um  grande  abraço...
seu  pai...
                ...luis antonio...