querido filho tauê...
querido filho peter...
bem... depois da interrupção da semana passada...
que... graças a Deus... acabou tudo bem...
resolvi retomar as estórias da história da minha vida...
pois o email anterior estava um pouco científico demais...
e... nada como escutar uma estória mais humana...
as opposed to a story more scientific...
(me parece que as estórias mais humanas "entram" melhor...
são mais fáceis de digerir...)
mas isso não significa que as estórias mais cientificas...
não tenham seu devido valor...
elas também são importantes...
é como na vida...
às vezes não estamos muito entusiasmados...
para fazer certo tipo de atividade...
(tirar a poeira do quarto... por exemplo...)
mas temos que fazê-lo anyway...
pois se não o fizermos...
acaba que respiramos aquela poeira toda...
que obviamente nos faz mal...
(se bem que li num livro... em tom de piada...
que... está cientificamente provado que...
depois que a poeira atinge três centímetros de altura...
não precisa mais limpar...
pois... está provado...
que... depois dos três centímetros...
é impossível acumular mais poeira...)
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tínhamos parado a estória... em recife...
aos quatro... (ou cinco) anos de idade...
sentado... o dia inteiro no muro...
vendo os poucos carros passarem...
pensando em nada...
só saboreando o momento...
sem grandes pensamentos...
sem grandes preocupações...
parece que minha infância foi seccionada...
em períodos de três em três anos...
os três primeiros anos de vida... em boston...
os três seguintes... em recife...
e... os três seguintes (dos seis aos nove anos de idade...)...
no rio de janeiro...
mais precisamente... no bairro que faz fronteira...
entre o jardim botânico e a gávea...
numa rua feita de paralelepípedos...
com um trilho de bonde passando...
bem no meio das pedras de paralelepípedos...
um lugar meio parecido com a vila... em ipanema...
onde vocês brincavam com o juninho...
e a turma de garotos da vila...
o astral era parecido...
jogávamos bola...
na calcada (calsada) mesmo...
sem muita frescura...
não era necessário um campo de futebol...
para podermos jogar bola...
a calçada era perfeita...
eu estudava numa escola pública na lagoa...
ia de bonde para a escola...
aos oito anos de idade... minha mãe...
disse que eu podia levar minha irmã clarice
(que tinha quatro anos de idade) para o kindergarten dela...
que ficava bem em frente a minha escola...
e... essa era a cena... eu com oito anos...
levando minha irmã (de quatro) para a escola dela...
e... de lá...
eu seguia para minha aula do outro lado da rua...
bons tempos... no violence... uma vida tranquila...
minha mãe me dava o dinheiro exato da passagem do bonde...
na saída... eu não precisava mais pegar minha irmã...
pois minha mãe já buscava ela que saia mais cedo do que eu...
então... na saída da minha escola...
como eu estava com o dinheiro certinho da passagem...
eu preferia... ao invés de pegar o bonde...
preferia gastar o dinheiro da passagem no saco de pipoca...
e ir para casa a pé...
chegava lá na rua... já caia no joguinho de futebol na calçada...
vida tranquila sem grandes preocupações...
mas... nem tudo é um mar de rosas...
em contraste àquela vida de sonhador de recife... sentado no muro...
sem pensar em nada... só vivendo a vida...
já no rio de janeiro...
aos oito anos de idade...
passei por uma experiência...
que me fez ver que nem tudo é um mar de rosas...
ao chegar da escola... a pé...
chego na rua... o pessoal jogando bola...
chego falando...
" pode mandar...!!
chuveirinho...!!
pra eu cabecear...!!..."
e... eis que meus amigos totalmente me ignoraram...
como se eu não existisse...
não deram a mínima atenção para a minha presença...
fizeram questão de me ignorar de uma forma...
que eu nunca tinha visto nada igual em toda minha vida...
neste ponto... não entendi nada...
pensei comigo mesmo... "o que está acontecendo...?"
perguntei a eles...
e eles me responderam...
que estavam "dando um gelo em mim"...
eu não sabia o que esta expressão "dar um gelo" significava...
eles me explicaram que queria dizer...
que é quando uma pessoa para de falar com a outra...
por algum motivo...
aí eu perguntei qual era o motivo...
eles me responderam...
mas eu até hoje não me lembro qual era o motivo...
( acho que eu estava tão chocado com o lance do "gelo" em si...
que... quando eles me explicaram o motivo...
eu ... talvez não tivesse nem entendido direito o motivo...
e nem pedi para eles me explicarem melhor...)
fiquei meio atordoado com essa primeira experiência da minha vida...
de sentir que... a sociedade...
o grupo de amigos tem essa capacidade de te rejeitar...
e... a vida é uma sequência de aprendizados desse tipo...
a vida vai passando...
episódios desse tipo vão acontecendo... regardless of the age...
independentemente da idade em que estamos...
vamos conhecendo as pessoas...
passamos a nos sentir bem com elas...
e... de repente... acontece algo...
escutamos algo dessas pessoas que nos surpreende...
nos pega de surpresa...
é como se fosse uma porrada na cara...
a vida... muitas vezes nos "apronta" algo semelhante...
mas esse tipo de coisa não acontece apenas entre duas pessoas...
às vezes tais surpresas... tais decepções...
surgem entre uma pessoa e uma instituição...
entre uma pessoa e um governo...
entre uma pessoa e uma escola...
entre uma pessoa e uma corporação onde trabalha...
quando eu estava no hawaii... ainda nos primeiros anos...
quando estava estudando no mestrado em matemática...
me dedicando ao máximo para ser um straight "A" student...
fazia homeworks exageradamente caprichados...
no primeiro semestre tirei um "A"...
no segundo semestre tirei um "B"...
no terceiro semestre tirei um "B"...
no quarto semestre tirei um "C"...
de repente... recebo uma cartinha da faculdade...
dizendo que eu fui colocado em "probation"... ou seja...
se eu não tirasse um "A" no próximo semestre...
seria expulso da faculdade...
foi uma espécie de "porrada" na minha cara...
ter percebido que eles foram tão "duros" para comigo...
eu... que tinha tentado dar o máximo de mim...
como um estudante nota-dez...
mas... dessa vez... no caso da faculdade...
me deixei derrotar demais...
por causa de uma simples cartinha da faculdade...
deveria... em face da carta... procurar ir lá na faculdade...
me informar melhor sobre o que estava acontecendo...
deveria ter procurado ouvir a opinião dos meus professores...
que me conheciam profundamente...
e... não ter me deixado abater tanto por uma carta...
que talvez tivesse vindo...
de um departamento administrativo da faculdade...
que... talvez não tivesse nem nada a ver...
com o departamento de matemática em si...
mas... o mundo dá voltas...
depois daquela carta...
por coincidência... meu nervo ciático se agravou...
ao ponto de eu não poder nem sentar... nem ficar de pé...
tive... realmente que desistir da matemática...
acabei entrando pra música... que... sem dúvida...
me acrescentou bem mais como ser humano...
e... voltando à turminha do futebol da época dos meus oito anos...
depois que... pela primeira vez na vida...
senti o gostinho amargo de uma rejeição...
por parte do grupo de amigos...
depois disso...
felizmente... depois de uns dois ou três dias...
tudo voltou ao normal...
a minha relação com o grupo voltou a ser a mesma...
as crianças... em geral... não guardam muitos rancores...
brigam um dia... no outro já está tudo bem...
essa capacidade de esquecer a briga...
de perdoar...
a capacidade de saber dizer... "bola pra frente"...
essa capacidade do ser humano...
considero muito boa...
até a próxima...?
até a próxima...
quero dar um abraço muito apertado...
em vocês dois... meus filhos...
com carinho...
seu pai...
...luis antonio...